Um estudo recente publicado na Sexuality & Culture (Fowler et al., 2025) oferece uma nova perspectiva sobre como o trabalho sexual influencia a imagem corporal, desafiando a suposição de que ele leva principalmente à auto-objetificação. Intitulado “Não consigo pensar em algo mais elogioso”: imagem corporal entre profissionais do sexo, o estudo revela que o trabalho sexual pode promover uma imagem corporal positiva, especialmente por meio da apreciação da funcionalidade do corpo, do empoderamento e da validação proporcionada por clientes e pelo sucesso financeiro. Aqui estão os principais destaques desta pesquisa inovadora.
O estudo: uma análise profunda das experiências de trabalhadores sexuais
O estudo envolveu entrevistas qualitativas com 50 trabalhadores sexuais, majoritariamente mulheres (90%), com idade mediana de 28 anos, variando de 18 a 46 anos. Os participantes, recrutados por amostragem em bola de neve, incluíam acompanhantes (62%), performers de webcam (34%) e outros envolvidos em diversas formas de trabalho sexual, como serviços de fetiche e BDSM. Utilizando uma abordagem de teoria fundamentada, os pesquisadores analisaram como essas pessoas percebem seus corpos dentro e fora de sua profissão. As descobertas destacam uma interação complexa entre estigma social, empoderamento pessoal e imagem corporal.
Principais descobertas
Quebrando o molde dos padrões de beleza tradicionais
Os trabalhadores sexuais frequentemente desafiam os ideais ocidentais de beleza, que enfatizam magreza e normas estéticas específicas. Os participantes descreveram como seu trabalho os expôs a preferências variadas dos clientes, ampliando sua compreensão de atratividade. Por exemplo, Arden, uma acompanhante de 26 anos, observou: “Há todos os tipos de formas, tamanhos e credos de mulheres… para cada homem por aí, existe uma fantasia.” Essa diversidade na subcultura do trabalho sexual ajudou os trabalhadores a aceitarem suas aparências únicas, promovendo uma visão mais inclusiva da beleza.
Feedback positivo alimenta a confiança
O estudo constatou que feedback verbal, comportamental e financeiro positivo dos clientes aumentou significativamente a imagem corporal dos trabalhadores sexuais. Por exemplo, Frances, uma acompanhante de 33 anos, compartilhou como seu trabalho permitiu que ela se visse como um ser sexual, contrariando percepções sociais que estigmatizam corpos gordos ou com deficiência como assexuados. Norene, uma acompanhante de 22 anos, expressou alegria com clientes que apreciavam seu corpo natural, dizendo: “Eu realmente gosto quando consigo clientes que gostam do meu corpo sendo um corpo. É tipo, porra, sim!” Essas afirmações ajudaram os trabalhadores a reformularem sua autopercepção de forma positiva.
Dinheiro como validação
O sucesso financeiro no trabalho sexual serviu como um poderoso validador do valor próprio. Participantes como Janine, uma acompanhante de 30 anos, inicialmente subestimaram seu valor por não se encaixarem nos padrões convencionais de beleza, mas aprenderam por meio da demanda dos clientes que seus traços únicos eram desejáveis. A constatação de Janine de que ela poderia cobrar taxas mais altas como uma “mulher grande e bonita” transformou sua autoestima: “Foi realmente ótimo para minha autoestima, e nunca me senti melhor comigo mesma ou com meu corpo.” O dinheiro funcionou como uma medida tangível do valor de seus corpos, protegendo-os de julgamentos sociais negativos.
Privilégio e a “hierarquia do sexo”
O estudo destacou o papel do privilégio na formação das experiências dos trabalhadores sexuais. Trabalhadores brancos, jovens e convencionalmente atraentes, como Hope, reconheceram suas vantagens em estabelecer taxas mais altas e impor triagem de clientes. No entanto, os participantes também reconheceram uma “hierarquia do sexo” dentro da indústria, onde certos papéis (por exemplo, acompanhantes versus trabalhadores de rua) carregam diferentes níveis de estigma e oportunidade. Apesar disso, muitos enfatizaram a solidariedade, com Jordan observando: “Somos todos trabalhadores sexuais… prestando algum tipo de serviço sexual por dinheiro.”
Agência como empoderamento
A agência emergiu como um tema central, com o trabalho sexual permitindo que os trabalhadores fizessem escolhas significativas sobre seus corpos e interações. Yetie, uma produtora de 20 anos, descreveu estabelecer limites em relação a comentários de body-shaming e raciais, enfatizando a importância do consentimento e da comunicação: “É uma maneira de garantir que eu não esteja fazendo essas coisas com outras pessoas sem negociações prévias.” Esse controle sobre o ambiente de trabalho promoveu um senso de empoderamento e autopercepção positiva.
Além da objetificação: corpo como processo
Embora a teoria da objetificação sugira que o trabalho sexual pode reduzir os trabalhadores a seus atributos físicos, o estudo argumenta que ele também enfatiza a funcionalidade do corpo — celebrando o que o corpo pode fazer, não apenas como ele parece. Atividades como pole dancing ou performances físicas no trabalho sexual têm paralelos com outras práticas focadas no corpo (como ioga ou amamentação) que aumentam a apreciação do corpo. Essa lente dupla de “corpo como objeto” e “corpo como processo” oferece uma compreensão matizada de como o trabalho sexual pode ser tanto desafiador quanto empoderador.
Implicações e direções futuras
O estudo destaca que o trabalho sexual, apesar de seu estigma, pode ser um espaço para redefinir a beleza e promover a positividade corporal. As normas flexíveis dentro da subcultura do trabalho sexual, combinadas com a validação dos clientes e recompensas financeiras, criam um ambiente onde os trabalhadores podem desafiar as expectativas sociais. No entanto, os pesquisadores pedem mais exploração sobre como essas experiências positivas de imagem corporal se traduzem em comportamentos como práticas de sexo seguro e como trabalhadores menos privilegiados navegam essas dinâmicas.
Para o estudo completo, acesse https://doi.org/10.1007/s12119-025-10419-z.
Paula Aguiar – Publicitária, Consultora e expert em Mercado Erótico, Escritora e empresária. Atua no Mercado Erótico Brasileiro desde o ano 2000. Autora de 28 livros de negócios e sobre produtos eróticos para os consumidores. De 2010 a 2017, presidiu a ABEME – Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico. Citada em mais de 100 teses universitárias e livros de sexualidade sobre o tema. Desenvolve e projeta produtos eróticos e cosméticos sensuais para os maiores players do setor. Criadora do primeiro seminário de palestras para empresários do mercado erótico em 2006. Apoiadora e partícipe dos mais importantes eventos eróticos do mundo. Também idealizadora do Prêmio Melhores do Mercado Erótico e Sensual que, desde 2016, anualmente elege as melhores empresas, as inovações, os produtos mais queridos e desejados e as ações que estimularam o desenvolvimento do setor. É fundadora e co-autora do site MercadoErótico.Org.